Essa questão surge aos montes camuflada de diferentes formas. Para que se possa entender o termo, é necessário uma busca interna e perspicaz com relação aos nossos excessos. "O que consideramos excessivo?" devemos perguntar a nós mesmos, antes de mais nada. Contudo, mesmo antes de observarmos o excesso, devemos atentar para o dualismo expresso, seja nas coisas tangíveis ou intangíveis, seja no tempo ou no espaço, pois é esta atuante que determina o que é e o que não é suficiente.
A Dualidade:
A dualidade presente no universo tem sido observada através da reflexão por apenas alguns poucos milhares de anos. Não dissecarei teses, mas sim a ideia que algumas delas transmitem e o que minha própria experiência saboreou.
A cada momento de nossa vida, a cada gesto, um simples piscar dos olhos ou no bater do coração, a dualidade se encontra presente. De forma sintética, a dualidade são opostos de uma mesma coisa, tal qual os pólos de um imã. Mas peço que essa não seja tida apenas como a única maneira de observa-la (através de objetos materiais). A dualidade também está presente nos sentimentos (amor e ódio) e até mesmo no tempo (passado e futuro). A dualidade é algo que, apesar de não ser exatamente alguma coisa, é de abrangência universal.
Existe uma parábola, a qual tenho grande apreço, que procura transmitir a essência e o início da dualidade e do universo o qual conhecemos (pouco) hoje. Procurarei resumi-lo através de um breve conto alegórico.
"Houve um tempo onde uma grande rocha, a qual continha tudo o que se pode conter, e até mesmo aquilo que não se pode, resumia em sí os antagonismos do universo, apaziguando-os em uma única morada. Era a materialização do pleno e casa da irrefutável verdade. Contudo, por algum motivo, a rocha se partiu, fragmentando-se propiciando o afastando cada vez mais ténue de seus inversos. Desde então, a rocha, apesar de despedaçada em inúmeras partes, ainda anseia em ser majestosa como anteriormente, apesar de não possuir mais a consciência única. Nesse momento, a unidade tornou-se múltipla e sua multiplicidade, em sua essência, é uma só. O afastamento faz com que os antagonismos perpetuem uma guerra entre si objetivando essa prevalência. Quando estamos aqui, não estamos alí; o claro afasta o escuro; o que aconteceu, não acontecerá; a vida repudia a morte e a morte rejeita a vida, mas ambos os opostos fazem parte de um mesmo caminho."
Aos que, assim como a onda que foge do mar e em outro momento retoma a unidade, se dispuserem a reunir a consciência do uno através da multiplicidade em tudo e no nada, serão capazes de alcançar a liberdade e a paz.
O Excesso:
O excesso pode ser entendido como a falta de exercício de uma virtude chamada temperança, ou moderação. "Mas moderação de que?" há de se perguntar. É possível fazermos um paralelo excesso-dualismo, tendo como base o que foi abordado anteriormente. Até onde pudemos observar, o dualismo se manifesta através de extremos/radicais o qual chamaremos aqui de excessos. Excessos tanto na falta quanto na abundância. Vejamos um bom exemplo:
Quando se propõe a andar de bicicleta, tem-se duas opções para continuar no curso: ou pendemos para o lado direito, ou pendemos para o lado esquerdo. Mas nenhuma das duas opções são viáveis enquanto quisermos continuar pedalando em cima do veículo, pois o excesso de uma ou de outra ocasiona um acidente, um erro, interrompendo e pondo um fim em nossa jornada.
Não esqueçamos que o excesso é a expressão da dualidade, a qual não podemos nos desvencilhar a não ser por meio da consciência. Contudo, apesar de ambas estarem presentes no contexto universal, onde uma é subordinada a outra, apenas o excesso pode ser domado pela ponderação, afim de que a verdade nos mostre sua face a tanto obscurecida pelos antagonismos.
A Suficiência:
"O suficiente é suficiente por si só."
A suficiência nada mais é que equilíbrio entre os extremos, é o desprendimento dos opostos, é a imparcialidade entre os excessos, é a não-falta somada à não-abundância. É o ritmo natural de cada indivíduo.
A suficiência é como a quantidade "X" de um líquido, despejado em um copo com um pequeno furo no fundo. Esse copo possui um ritmo de esvaziamento que deve ser respeitado, e no intuito de mantê-lo, na maioria das vezes, cheio, sem desperdiçar em um possível excesso pela abundância ou pela falta, despeja-se o líquido com paciência e cautela até seja percebido a velocidade que o copo se esvazia.
O encontrar do esvaziamento do copo com o preenchimento, exercido por quem procura a harmonia, chama-se suficiência.
O que era dual, agora é trino, e a moeda deixa de ter apenas dois lados.